Saturday, September 9, 2017

Estrangular todo um povo, sem dó nem piedade.

*Charge de Latuff


Estrangular: Impedir a respiração (a alguém ou a si próprio), apertando(-lhe) o pescoço; esganar(-se), enforcar(-se). Estrangulamento é o ato que consiste em pressionar o pescoço interrompendo o fluxo de oxigênio para o cérebro, podendo levar a pessoa que sofre a ação à inconsciência ou mesmo à morte. Em medicina forense chama-se de estrangulamento aquele causado por laços de diversos tipos de materiais que proporcionam lesões distintas. Tendo isso em mente, o Pentágono, Departamento de Defesa dos Estados Unidos, batizou uma missão de “Operação Estrangular”, tal missão tinha como meta arrasar a Coréia do Norte. Segundo o ex-secretário de Estado americano Dean Rusk, "Tudo que se movia." Assim eram definidos os alvos das bombas lançadas sobre a Coreia do Norte durante a Guerra da Coreia (1950-1953).

No período da guerra na península coreana, os estadunidenses levaram a cabo incessantes bombardeios que arrasaram a Coréia do Norte e obrigaram sua população a viver sob a terra. Foram três longos anos de ataques aéreos contínuos e indiscriminados, que arrasaram cidades e vilarejos da república socialista e mataram dezenas de milhares de civis. James Person, especialista em política e história coreanas do centro de estudos Wilson Center, em Washington, diz que essa parte da história dos Estados Unidos, obviamente, não é muito divulgada no país. "Como ocorreu entre a Segunda Guerra Mundial e a tragédia do Vietnã, a maioria do público americano não sabe muito sobre a Guerra da Coreia."

Mas, na Coreia do Norte, nunca se esqueceram dela - e essas lembranças continuam a ser uma das razões de um temor que impera ali para com os Estados Unidos. Desde então, Pyongyang sempre viu os estadunidenses como uma ameaça, uma rivalidade que está na raiz da tensão que existe na região, ultimamente em seu auge.

O conflito em questão se tornou uma sangrenta guerra em 1950 quando tropas estadunidenses, reforçadas por uma coalizão internacional, passou a atacar tropas norte coreanas, como já citado em "O imperialismo nunca escutou a voz de um povo", o episódio que deu início a guerra na península foi uma ação de tropas do sul com a intenção de tomar a cidade de Haeju, do lado norte da fronteira, norte e sul entraram em combate nas áreas próximas ao Paralelo 38 N. Kim Il-sung, avô do atual líder da Coreia do Norte, já tinha planos de lançar seus homens contra o país vizinho após uma forte repressão de simpatizantes do comunismo pelo regime militar comandado por Syngman Rhee em Seul.

Na primeira fase de hostilidades, o enorme poder aéreo estadunidense havia se limitado a atingir alvos estratégicos, como bases militares e centros industriais, mas um fator inesperado mudou tudo. Pouco depois do início da guerra, a China, temendo o avanço dos Estados Unidos rumo às suas fronteiras, decidiu sair em defesa da Coreia do Norte. Os soldados estadunidenses começaram a sofrer cada vez mais baixas por conta dos ataques das Forças Armadas chinesas, que não eram tão bem equipadas quanto as dos Estados Unidos, mas muito mais numerosas. Segundo James Person, "Para o comando americano, era vital interromper os suprimentos enviados por chineses e soviéticos que permitiam a Coreia do Norte manter seus esforços bélicos"; foi então que o general Douglas MacArthur, notório saguinário (que posteriormente defendeu o uso de armas nucleares na península), decidiu dar início a sua "tática de terra arrasada".

Isso marcou o início da guerra total contra a Coreia do Norte. A partir desse momento, todas as cidades e vilarejos passaram a receber a visita diária dos bombardeiros americanos B-29 e B-52 e sua carga mortal de napalm, nome dado a um conjunto de líquidos inflamáveis. Ainda que MacArthur tenha caído em desgraça pouco depois, sua estratégia continuou a ser aplicada. Segundo Taewoo Kim, professor de Humanidades da Universidade Nacional de Seul, todas as cidades e vilarejos da Coreia do Norte foram reduzidos as escombros.

O general Curtis LeMay, chefe do Comando Aéreo Estratégico durante o conflito, declarou muito anos depois: "Aniquilamos cerca de 20% da população". Cálculos assim levaram o jornalista e escritor Blaine Harden, autor de várias obras sobre a Coreia do Norte, a qualificar como "crime de guerra" a ação militar americana.

As estimativas de pesquisadores dão conta que, nos três anos de guerra, foram lançadas 635 mil toneladas de bombas contra a Coreia do Norte. De acordo com Pyongyang, 5 mil escolas, mil hospitais e 600 mil residências foram destruídos. Um documento soviético redigido pouco antes do cessar-fogo de 1953 fala em 282 mil civis mortos pelos bombardeios.

É impossível confirmar esses números, mas ninguém nega a magnitude da devastação. Uma comissão internacional que percorreu a capital norte-coreana após a guerra atestou que não havia restado um único edifício que não tenha sido afetado pelo bombardeios. Enquanto o mundo inteiro estava atento à península coreana, temendo que os Estados Unidos e a União Soviética acabassem travando uma guerra nuclear, o então ministro de Relações Exteriores norte-coreano, Pak Hen En, denunciava na ONU o bestial extermínio de civis pacíficos pelos imperialistas. Seu relato contava que, para garantir que Pyongyang ficasse sempre cercada por incêndios, os "bárbaros transatlânticos" a bombardeavam com artefatos de ação retardada que detonavam de forma alternada, "impossibilitando que as pessoas saíssem de casa".

Infraestruturas essenciais, como barragens, usinas elétricas e ferrovias, foram sistematicamente atacadas. Taewoo Kim destacou que, "em todo o país, ficou impossível levar uma vida normal na superfície". As autoridades comandaram uma mobilização nacional para que fossem erguidos mercados, acampamentos militares e outras instalações sob a terra para que o país pudesse funcionar. A Coreia do Norte virou uma nação subterrânea e em permanente estado de alerta.

James Person diz que "toda a cidade de Pyongyang se mudou para debaixo da terra, e isso teve um tremendo impacto psicológico nos seus habitantes". O especialista explica que o medo persiste até hoje e a isso se deve o fato de que armazéns e instalações críticas continuem sendo mantidos em grandes profundidades.

Durante a noite, os norte-coreanos recrutados pelo Estado trabalhavam freneticamente para reparar as vias de comunicação e as usinas destroçadas pelas explosões durante o dia. O fruto desse trabalho causava surpresa e frustração no comando americano, que viam alvos de ataques sendo restaurados em pouco tempo. Às vezes, os meios de comunicação na coreia do norte recordam os cidadãos da enorme dor infringida pelos aviões estrangeiros. Tanto Kim Il-sung como seus sucessores Kim Jong-il e Kim Jong-un se apresentam como representantes da heróica resistência que livrou a nação de sucumbir à "agressão" estrangeira. Trata-se, nas palavras de Person, "de reforçar essa narrativa em que a Coreia do Norte mantém os americanos longe com sua grande defesa e sua capacidade de dissuasão".

Todos os traumas dessa guerra são mais que razões suficientes para explicar a posição do governo do norte na insistência em desenvolver um arsenal nuclear, apesar das constantes críticas internacionais. Repito aqui as palavras previamente citadas: "Estrangulamento é o ato que consiste em pressionar o pescoço interrompendo o fluxo de oxigênio para o cérebro, podendo levar a pessoa que sofre a ação à inconsciência ou mesmo à morte." Foi isso o que a operação planejada pelo Pentágono teve como meta e foi exatamente isso o que fizeram ao povo norte coreano, trouxeram morte, a mais 282 mil civis inocentes que foram aniquilados sem a mínima chance de defesa ou oportunidade de evacuar, e sim, trata-se de mais um repugnante crime de guerra promovido pelo EUA, que a humanidade não se importa ou sequer sabe sobre.

A divisão da península nunca foi resolvida definitivamente e o potente poderio militar que o Pentágono mantém na Coreia do Sul e no Japão explica por que a Coreia do Norte segue ainda sob uma espécie de estado de exceção permanente. A guerra e o fogo que choviam do céu fizeram da Coreia do Norte um Estado-bunker. Mais de 70 anos depois, isso não mudou. Por quê um país soberano não teria o direito de ter armas adequadas para garantir a sua própria defesa? O quê justificaria o impedimento de tal país decidir qual armamento deve ser usado para defender o seu povo e território? É importante lembrar que nações como EUA, Índia, Paquistão, Israel, França e Reino Unido já possuem armas nucleares, por quê a Coréia do Norte não pode desenvolver o seu próprio programa atômico? Seria como você ter uma determinada arma e impedir que qualquer outra pessoa também tenha uma igual, para apenas você continuar com tal poder de defesa ou ataque e mais ninguém, pois é isso o que países como os EUA fazem. Os EUA já fizeram até hoje 1085 testes nucleares e possuem 9,970 ogivas ativas*, mais do que qualquer outro país em toda a história. A Coréia tem razões históricas para buscar se defender de agressões externas, essas cicatrizes psicológicas, deixadas pela guerra, no povo norte coreano jamais serão apagadas, mas impedir que novas surjam é um obrigação moral do governo e algo absolutamente compreensível. Não sucumbir à pressão do império é o que mantém as mãos yankees longe dos pescoços norte coreanos, assim não mais estrangularão o povo como por três anos fizeram.


*Fonte: Federation of American Scientists, em "Status of World Nuclear Forces". Consultado em 1 de outubro de 2016.

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