Tuesday, November 6, 2018

A Escola COM Partido - Part 1

Charge de Que Mário?

Quando passarem a vigiar o pensamento, elevando o ato de pensar e o ato de criticar  como um crime, é porque vive-se uma ditadura. Argumentar que tal vigia é em prol da imparcialidade, é mostrar que, apesar da “maquiagem” teórica, trata-se de censura. A censura é algo absolutamente natural e aceito em regimes ditatoriais. Toda ditadura criminaliza o pensamento para evitar a reflexão e crítica.
No séc. XXI, o Brasil vive um cenário quase similar ao de uma ditadura estabelecida. Pois com a eleição do capitão da reserva Jair Bolsonaro como presidente, uma onda conservadora que já existia no exterior, se fez presente também em terras brasileiras. O resultado disso é o surgimento de políticos eleitos que apresentam o discurso da censura travestido de neutralidade, o que é uma mentira. Esse é o primeiro passo para o estabelecimento de uma ditadura.

Hoje vemos, claramente, no país que a educação corre risco de ser silenciada. Projetos como o “Escola Sem Partido” buscam fazer justamente o inverso do que pregam. Querem implementar formas de garantir sim uma escola com partido, e necessariamente conservador.

Imediatamente ao anuncio do resultado do segundo turno das eleições de 2018, manifestações em prol da censura surgiram pelo país. Uma delas partiu da deputada estadual de Santa Catarina, pelo PSL, Ana Caroline Campagnolo. Nela a deputada, recém eleita, estimula que os estudantes denunciem professores que façam “queixas político-partidárias em virtude da vitória do presidente Bolsonaro”. Ela pedia que os estudantes filmassem “manifestações político-partidárias ou ideológicas” em instituições de ensino e enviassem para ela, como nome do professor, da escola e a cidade.

Quando decidiu sair como candidato a presidência, o então deputado Jair Bolsonaro transformou em um dos pilares da sua campanha o movimento “Escola Sem Partido”, que busca implementar diversos projetos de lei absolutamente radicais. Nitidamente se percebe a natureza censora das leis propostas pelo movimento, as suas abordagens são vagas e denuncistas para com a situação educacional do país. Carregam a tinta em questões de menor relevância quando o movimento qualifica de "sexualização precoce" das crianças e "ideologização do ensino", ignorando décadas de acúmulos e demandas dos professores.

O objetivo principal é tirar o humanismo por completo da educação, só restando uma formação abstratizante. Isso será um revés significativo na educação pública do Brasil, sem espaço para a solidariedade e o debate de ideias. Sem debates o ambiente torna-se propício para o estabelecimento da censura sistemática.

Existe, pelo país, uma campanha para criticar e denegrir a obra do educador Paulo Freire, os apoiadores do “Escola Sem Partido” promovem essa campanha pois Freire criou um modelo de ensino que respeita o aluno e o sei processo de aprendizagem. Impedir a discussão sobre as condições de vida dos estudantes é facilitador para implementar uma educação abstratizante. Para Paulo Freire, é importante estabelecer uma ligação entre a educação e o cotidiano do aluno.


Ana Caroline Campagnolo é professora, e mestranda na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Ela se tornou conhecida justamente por processar uma professora de história da Udesc, pedindo indenização por danos morais e acusando a professora de perseguição ideológica. Tal episódio acabou dando alguma relevância política no estado a Ana Caroline Campagnolo. Mesmo a Justiça considerando improcedente por falta de provas o pedido de Campagnolo, ela foi eleita deputada estadual cerca de um mês depois.

A Escola COM Partido - Part 2

Ana Caroline Campagnolo


O motivo do processo movido por Ana Caroline Campagnolo contra a professora Marlene de Fáveri foi a decisão da professora de história da Udesc de não a orientar no seu projeto de pesquisa de mestrado. A decisão de Fáveri veio após ela tomar conhecimento da posição de Campagnolo sobre os estudos do feminismo e gênero, os desqualificando nas redes sociais. Tal área é a qual a professora Marlene de Fáveri é especializada.

A professora Marlene de Fáveri explicou sua decisão dizendo “Minha decisão irrevogável de abrir mão da orientação da mestranda se justifica devido à incompatibilidade do ponto de vista teórico-metodológico com relação à abordagem do tema quando de seu ingresso, incompatibilidade esta expressa em vídeo difundido por mídias eletrônicas, de acesso público, onde manifesta concepções, do ponto de vista acadêmico, que ferem a disciplina que ora ministro e, por extensão, a linha de pesquisa do programa de Pós-graduação em História” em sua solicitação ao curso para o desligamento da orientação com a mestranda.

Campagnolo, assim como diversos políticos recentemente eleitos (como o futuro presidente Jair Bolsonaro), defende o movimento “Escola sem Partido”, que acusa professores de “doutrinação ideológica” e sugere leis para censurar o que o movimento considera opiniões políticas em sala de aula. A Organização das Nações Unidas (ONU) já denunciou que a iniciativa, caso aprovada em lei, seria uma “censura significativa” e uma violação ao direito de expressão nas salas de aulas. O Supremo Tribunal Federal (STF) também já declarou o projeto como inconstitucional. 

O movimento diz que tem que ensinar aquilo que está de acordo com a posição dos pais. Posição política, posição ideológica, embora eles digam que não. Significa que a escola vai deixar até de ser um espaço de aquisição de conhecimento porque se um pai acredita que o evolucionismo não é teoria científica e que o criacionismo tem que ser ensinado junto com o evolucionismo, então a escola vai desaparecer porque até o que é do conhecimento comprovado vai estar sendo posto em questão.
Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, aponta que o movimento da Escola sem Partido começou a crescer a partir de 2015, e passou a tentar aprovar projetos de lei no nível federal, estadual e municipal. Pellanda afirma que "Para minar processos de doutrinação, o caminho tem que ser justamente o inverso: considerar diversas opiniões, diferentes defesas de ponto de vista, e colocar essas diferenças no centro do debate em que todo mundo entende o posicionamento de cada um e, por isso, é claro e não é doutrinário. Quando se diz neutro, e na verdade não é, é justamente quando se está enganando seu interlocutor", ou seja, nem a ciência é imparcial, como poderia de fato ser imparcial um projeto baseado na defesa de uma educação neutra? Pellanda continua “É uma ação completamente absurda que impõe cerceamento da liberdade de cátedra dos profissionais de educação e acaba impondo uma cruzada contra os professores”.

Sobre a postura de na Caroline Campagnolo, Pellanda diz “Quando uma parlamentar do PSL defende fazer uma censura junto aos professores na escola por acusação de doutrinação, na verdade ela mesma está fazendo com que a escola não seja um espaço de livre-pensamento, de debate democrático. Então, o que ela acusa de acontecer na escola, ela mesma está fomentando". O professor e coordenador estadual do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina (Sinte) Aldoir José Kraemer, afirma que entidades farão uma representação ao Ministério Público. Segundo Kraemer "Na prática, o que ela faz é uma incitação para que os estudantes denunciem os professores, atacando alguns direitos constitucionais como o direito de cátedra do professor. Aqui no estado também temos uma lei específica em relação ao uso de celular em sala de aula, então ela também está incitando o descumprimento desta lei”, citando a lei estadual Nº 14.363 que proíbe o uso de celulares em salas de aula. 

Obviamente o professor será submetido aos pais na escolha do conteúdo. Isso é um cerceamento enorme da seleção de conteúdo, da seleção de temas a ser discutido na escola. Ora, um pai pode escolher em que escola vai matricular o filho. A escola púbica tem uma orientação curricular feita pelas secretarias de educação dos estados e, no caso das municipais, pelo município. Um pai que quiser uma escola diferente que procure uma particular que ensine o conteúdo tal. Mas cercear o que o professor pode ensinar isso é um disparate.

O ministro Luís Roberto Barroso barrou uma lei em Alagoas que instituía o programa Escola Livre. Barroso afirmou que a Constituição assegura "uma educação emancipadora, que habilite a pessoa para os mais diversos âmbitos da vida, como ser humano, como cidadão, como profissional. Com tal propósito, define as diretrizes que devem ser observadas pelo ensino, a fim de que tal objetivo seja alcançado, dentre elas, a mencionada liberdade de aprender e de ensinar; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; a valorização dos profissionais da educação escolar”.


Em nota conjunta, sindicatos de professores das redes pública e privada municipal, estadual e federal em Santa Catarina repudiaram a postura de Ana Caroline Campagnolo. A solicitação da professora Marlene de Fáveri foi atendida pelo colegiado da Universidade do Estado de Santa Catarina, e diversas entidades manifestaram apoio à professora. A educação brasileira resistirá.