Friday, September 29, 2017

Cuba ou Porto Rico, independência ou submissão?


Duas ilhas, duas realidades, mas o mesmo desastre natural, podemos claramente ver como a política influi diretamente na vida de um cidadão comum; um povo que luta pela sua autonomia terá um comportamento, um outro que abre mão da sua soberania permanece submisso à mercê da própria sorte, se é que ela existe. Cuba e Porto Rico sofrem com os furacões no Caribe, mas enfrentam os problemas de formas bem diferentes. Uma é a “ovelha negra”, “rebelde”, “mal exemplo” para mundo ocidental, a outra é a “ovelinha”, “obediente”.

Hoje Porto Rico mendiga atenção do governo estadunidense para resolver os problemas graves que a ilha, em decorrência da temporada de furacões no Caribe, enfrenta. Até o momento registrou-se oficialmente 16 mortes na ilha por causa do furacão Maria. Grande parte da ilha principal, incluindo a maioria de seus hospitais, ainda está sem energia. Quase metade dos cerca de 3,5 milhões de habitantes seguem sem acesso a água potável. A destruição foi acentuada devido à infraestrutura precária do empobrecido território estadunidense. Quase metade dos 3,5 milhões de habitantes de Porto Rico vive abaixo da linha de pobreza. Em toda a ilha, há construções precárias de madeira e tetos de zinco. As tempestades causaram grandes danos aos aeroportos e portos, criando desafios logísticos para as equipes de socorro.

Cuba não é manchete de nada nesse assunto, nem é citada como mais uma ilha do Caribe que sofreu com os desastres naturais recentes na região. Porém, a destruição em Cuba foi grande, lá o furacão Irma – o mais potente na história do oceano Atlântico –, o mesmo que arrasou a Flórida, deixou dez mortos e incontáveis danos materiais. A ilha basicamente se reergue sozinha, como em muitos momentos da história, sem suplicar a boa vontade de ninguém sem se colocar em posição submissa, quiças até degradante, para receber migalhas seja de quem for.

Mas qual é a relação EUA x Porto Rico? Porto Rico é uma ilha que os Estados Unidos tomaram da Espanha em 1898. Pela sua condição, Porto Rico não goza do mesmo tatus de um estado dos EUA, os porto-riquenhos são representados no Congresso por apenas um comissário com voz, mas sem voto; e Washington tem a última palavra em assuntos de seus territórios. Em 1952, Washington conferiu à ilha o estatuto de "Estado livre associado", o que lhe dá alguns direitos nos Estados Unidos, como a cidadania e liberdade de movimento, além de alguma autonomia. Mas isso não é o "suficiente", o povo local demandou um plebiscito, não vinculante para Washington, a fim decidir sobre a anexação da ilha aos EUA. Porto Rico tem organizações políticas, como o PIP, que buscam a sua independência, mas são grupos até o momento irrelevantes, a maioria social da ilha deseja que a sua terra seja submissa aos Estados Unidos da América. No dia 11/06/2017 a população votou para que Porto Rico se tornasse um estado dos EUA e não uma nação soberana, foram cerca de 2,2 milhões de eleitores. Com 98% dos votos o povo pediu pela anexação.

Porto Rico, uma ilha de população, como o império rotula “latina”, não parece que receberá qualquer ação substancial do governo estadunidense por hora. Até uma possível atitude do governo Trump, descendentes de porto riquenhos e nativos da ilha irão suplicar alguma solução, chorar nas redes sociais, dar o seu testemunho do atual cenário devastador ilha e descrever o que está acontecendo com eles nos EUA e com os seus familiares, praticamente incomunicáveis, em Porto Rico. Antes dos furacões, a ilha já estava dizimada, mas por uma dívida de mais de 70 bilhões de dólares que não pode honrar. Porto Rico vivia das grandes empresas atraídas por isenções fiscais, mas esses benefícios foram abolidos em 2006, dando início à queda livre. Mesmo sem sofrer um duro e longo embargo econômico como Cuba sofre, Porto Rico não conseguiu se recuperar economicamente. Washington passou a supervisionar suas finanças, mas não mostra vontade alguma de resgatar Porto Rico, entre outras coisas, porque a ilha não é propriamente um estado da União. Pelo jeito, nem mandar ajuda substancial aos necessitados por causa do furação, o governo Trump irá.

Cuba buscou sua soberania desde sua independência da Espanha, enfrentou o império e segue de cabeça erguida gloriosamente enfrentando o grande mal da humanidade, os Estados Unidos da América. Paga caro por ser independente e digna, tem o seu povo vitimado pelo imperialismo, mas é o povo a alma da resistência cubana, mesmo com todas as dificuldades resistem e seguem em frente. Honram com imensurável orgulho a sua Revolução Popular de 1959, que tanto pôs medo ao império e o preocupa até os dias de hoje.

Duas ilhas caribenhas, ancestralidade cultural parecidas, bandeiras parecidas, vítimas do mesmos desastres, mas de posições políticas distintas e relação com os EUA antagônicas. Uma mendiga atenção e a outra se reergue em seu próprio povo. Ser soberano custa caro, mas esse preço Cuba paga com dignidade, pois o exemplo de Porto Rico só é prova que a vontade do povo cubano é sábia, viva a Revolução!

Fonte:




Saturday, September 9, 2017

Estrangular todo um povo, sem dó nem piedade.

*Charge de Latuff


Estrangular: Impedir a respiração (a alguém ou a si próprio), apertando(-lhe) o pescoço; esganar(-se), enforcar(-se). Estrangulamento é o ato que consiste em pressionar o pescoço interrompendo o fluxo de oxigênio para o cérebro, podendo levar a pessoa que sofre a ação à inconsciência ou mesmo à morte. Em medicina forense chama-se de estrangulamento aquele causado por laços de diversos tipos de materiais que proporcionam lesões distintas. Tendo isso em mente, o Pentágono, Departamento de Defesa dos Estados Unidos, batizou uma missão de “Operação Estrangular”, tal missão tinha como meta arrasar a Coréia do Norte. Segundo o ex-secretário de Estado americano Dean Rusk, "Tudo que se movia." Assim eram definidos os alvos das bombas lançadas sobre a Coreia do Norte durante a Guerra da Coreia (1950-1953).

No período da guerra na península coreana, os estadunidenses levaram a cabo incessantes bombardeios que arrasaram a Coréia do Norte e obrigaram sua população a viver sob a terra. Foram três longos anos de ataques aéreos contínuos e indiscriminados, que arrasaram cidades e vilarejos da república socialista e mataram dezenas de milhares de civis. James Person, especialista em política e história coreanas do centro de estudos Wilson Center, em Washington, diz que essa parte da história dos Estados Unidos, obviamente, não é muito divulgada no país. "Como ocorreu entre a Segunda Guerra Mundial e a tragédia do Vietnã, a maioria do público americano não sabe muito sobre a Guerra da Coreia."

Mas, na Coreia do Norte, nunca se esqueceram dela - e essas lembranças continuam a ser uma das razões de um temor que impera ali para com os Estados Unidos. Desde então, Pyongyang sempre viu os estadunidenses como uma ameaça, uma rivalidade que está na raiz da tensão que existe na região, ultimamente em seu auge.

O conflito em questão se tornou uma sangrenta guerra em 1950 quando tropas estadunidenses, reforçadas por uma coalizão internacional, passou a atacar tropas norte coreanas, como já citado em "O imperialismo nunca escutou a voz de um povo", o episódio que deu início a guerra na península foi uma ação de tropas do sul com a intenção de tomar a cidade de Haeju, do lado norte da fronteira, norte e sul entraram em combate nas áreas próximas ao Paralelo 38 N. Kim Il-sung, avô do atual líder da Coreia do Norte, já tinha planos de lançar seus homens contra o país vizinho após uma forte repressão de simpatizantes do comunismo pelo regime militar comandado por Syngman Rhee em Seul.

Na primeira fase de hostilidades, o enorme poder aéreo estadunidense havia se limitado a atingir alvos estratégicos, como bases militares e centros industriais, mas um fator inesperado mudou tudo. Pouco depois do início da guerra, a China, temendo o avanço dos Estados Unidos rumo às suas fronteiras, decidiu sair em defesa da Coreia do Norte. Os soldados estadunidenses começaram a sofrer cada vez mais baixas por conta dos ataques das Forças Armadas chinesas, que não eram tão bem equipadas quanto as dos Estados Unidos, mas muito mais numerosas. Segundo James Person, "Para o comando americano, era vital interromper os suprimentos enviados por chineses e soviéticos que permitiam a Coreia do Norte manter seus esforços bélicos"; foi então que o general Douglas MacArthur, notório saguinário (que posteriormente defendeu o uso de armas nucleares na península), decidiu dar início a sua "tática de terra arrasada".

Isso marcou o início da guerra total contra a Coreia do Norte. A partir desse momento, todas as cidades e vilarejos passaram a receber a visita diária dos bombardeiros americanos B-29 e B-52 e sua carga mortal de napalm, nome dado a um conjunto de líquidos inflamáveis. Ainda que MacArthur tenha caído em desgraça pouco depois, sua estratégia continuou a ser aplicada. Segundo Taewoo Kim, professor de Humanidades da Universidade Nacional de Seul, todas as cidades e vilarejos da Coreia do Norte foram reduzidos as escombros.

O general Curtis LeMay, chefe do Comando Aéreo Estratégico durante o conflito, declarou muito anos depois: "Aniquilamos cerca de 20% da população". Cálculos assim levaram o jornalista e escritor Blaine Harden, autor de várias obras sobre a Coreia do Norte, a qualificar como "crime de guerra" a ação militar americana.

As estimativas de pesquisadores dão conta que, nos três anos de guerra, foram lançadas 635 mil toneladas de bombas contra a Coreia do Norte. De acordo com Pyongyang, 5 mil escolas, mil hospitais e 600 mil residências foram destruídos. Um documento soviético redigido pouco antes do cessar-fogo de 1953 fala em 282 mil civis mortos pelos bombardeios.

É impossível confirmar esses números, mas ninguém nega a magnitude da devastação. Uma comissão internacional que percorreu a capital norte-coreana após a guerra atestou que não havia restado um único edifício que não tenha sido afetado pelo bombardeios. Enquanto o mundo inteiro estava atento à península coreana, temendo que os Estados Unidos e a União Soviética acabassem travando uma guerra nuclear, o então ministro de Relações Exteriores norte-coreano, Pak Hen En, denunciava na ONU o bestial extermínio de civis pacíficos pelos imperialistas. Seu relato contava que, para garantir que Pyongyang ficasse sempre cercada por incêndios, os "bárbaros transatlânticos" a bombardeavam com artefatos de ação retardada que detonavam de forma alternada, "impossibilitando que as pessoas saíssem de casa".

Infraestruturas essenciais, como barragens, usinas elétricas e ferrovias, foram sistematicamente atacadas. Taewoo Kim destacou que, "em todo o país, ficou impossível levar uma vida normal na superfície". As autoridades comandaram uma mobilização nacional para que fossem erguidos mercados, acampamentos militares e outras instalações sob a terra para que o país pudesse funcionar. A Coreia do Norte virou uma nação subterrânea e em permanente estado de alerta.

James Person diz que "toda a cidade de Pyongyang se mudou para debaixo da terra, e isso teve um tremendo impacto psicológico nos seus habitantes". O especialista explica que o medo persiste até hoje e a isso se deve o fato de que armazéns e instalações críticas continuem sendo mantidos em grandes profundidades.

Durante a noite, os norte-coreanos recrutados pelo Estado trabalhavam freneticamente para reparar as vias de comunicação e as usinas destroçadas pelas explosões durante o dia. O fruto desse trabalho causava surpresa e frustração no comando americano, que viam alvos de ataques sendo restaurados em pouco tempo. Às vezes, os meios de comunicação na coreia do norte recordam os cidadãos da enorme dor infringida pelos aviões estrangeiros. Tanto Kim Il-sung como seus sucessores Kim Jong-il e Kim Jong-un se apresentam como representantes da heróica resistência que livrou a nação de sucumbir à "agressão" estrangeira. Trata-se, nas palavras de Person, "de reforçar essa narrativa em que a Coreia do Norte mantém os americanos longe com sua grande defesa e sua capacidade de dissuasão".

Todos os traumas dessa guerra são mais que razões suficientes para explicar a posição do governo do norte na insistência em desenvolver um arsenal nuclear, apesar das constantes críticas internacionais. Repito aqui as palavras previamente citadas: "Estrangulamento é o ato que consiste em pressionar o pescoço interrompendo o fluxo de oxigênio para o cérebro, podendo levar a pessoa que sofre a ação à inconsciência ou mesmo à morte." Foi isso o que a operação planejada pelo Pentágono teve como meta e foi exatamente isso o que fizeram ao povo norte coreano, trouxeram morte, a mais 282 mil civis inocentes que foram aniquilados sem a mínima chance de defesa ou oportunidade de evacuar, e sim, trata-se de mais um repugnante crime de guerra promovido pelo EUA, que a humanidade não se importa ou sequer sabe sobre.

A divisão da península nunca foi resolvida definitivamente e o potente poderio militar que o Pentágono mantém na Coreia do Sul e no Japão explica por que a Coreia do Norte segue ainda sob uma espécie de estado de exceção permanente. A guerra e o fogo que choviam do céu fizeram da Coreia do Norte um Estado-bunker. Mais de 70 anos depois, isso não mudou. Por quê um país soberano não teria o direito de ter armas adequadas para garantir a sua própria defesa? O quê justificaria o impedimento de tal país decidir qual armamento deve ser usado para defender o seu povo e território? É importante lembrar que nações como EUA, Índia, Paquistão, Israel, França e Reino Unido já possuem armas nucleares, por quê a Coréia do Norte não pode desenvolver o seu próprio programa atômico? Seria como você ter uma determinada arma e impedir que qualquer outra pessoa também tenha uma igual, para apenas você continuar com tal poder de defesa ou ataque e mais ninguém, pois é isso o que países como os EUA fazem. Os EUA já fizeram até hoje 1085 testes nucleares e possuem 9,970 ogivas ativas*, mais do que qualquer outro país em toda a história. A Coréia tem razões históricas para buscar se defender de agressões externas, essas cicatrizes psicológicas, deixadas pela guerra, no povo norte coreano jamais serão apagadas, mas impedir que novas surjam é um obrigação moral do governo e algo absolutamente compreensível. Não sucumbir à pressão do império é o que mantém as mãos yankees longe dos pescoços norte coreanos, assim não mais estrangularão o povo como por três anos fizeram.


*Fonte: Federation of American Scientists, em "Status of World Nuclear Forces". Consultado em 1 de outubro de 2016.