A falta de produtos no mercado não é necessariamente sempre responsabilidade de uma política econômica mas de uma limitação ou deficiência na distribuição, o que pode ter raízes em outras questões. Vamos então nos limitar aos exemplos cubanos e venezuelanos atuais, simplesmente para facilitar o entendimento dessa questão. Para uma compreensão ainda melhor, indicamos a leitura da excelente obra de John Reed "10 dias que abalaram o mundo", ainda no início desta obra (que descreve a Revolução Russa) há uma breve explicação da situação local na década de 10 e 20, em especial a atuação contra-revolucionária por parte de setores burgueses que viviam do limitado capitalismo russo de então. Mas o que a longínqua Rússia do início do século XX, descrita por Reed, tem a ver com a Cuba e a Venezuela do século XXI? Por incrível que pareça, os métodos aplicados pela burguesia venezuelana são muito antigos; na referida obra de Reed há um trecho que descreve o modus operandi contra-revolucionário, que basicamente se resumia a uma espécie de auto-sabotagem econômica, tida através de explosões e inundações de minas, incêndios criminosos em fábricas, descarte de produtos em excelente estado para consumo (para que faltassem no mercado e sugerisse um aumento de preço), etc. Isso ocorre nos dias de hoje na nossa vizinha Venezuela.
Mas onde entra Cuba nesse exemplo? Bom, a ilha do Caribe tem problemas de abastecimento porque é um país muito pequeno territorialmente, assim, precisa importar certos produtos para o seu consumo, mas o país sofre com um longo e duro embargo econômico por causa da revolução popular que o tornou socialista e desagradou aos EUA. É esse país que intimida outras nações a se relacionarem comercialmente com Cuba, para que assim o embargo econômico imposto se torne ainda mais impiedoso ao povo cubano. Antes dos anos 90 não havia escassez porque a URSS era a única que enfrentava esse embargo e negociava tranquilamente com Cuba.
Décadas depois os partidos de esquerda ganharam o poder na América Latina e na Europa, e estes resolveram burlar a imposição norte americana voltando a negociar com Cuba. A consequência disso é que hoje a escassez na ilha é relativamente pequena, apesar do bloqueio ainda causar problemas, não chega a ser uma grande tragédia. Dia após dia esse problema está diminuindo de alguma forma.
Os capitalistas, por sua vez, culpam o socialismo pela escassez na Venezuela. Ora, se Cuba é mais socialista que a Venezuela, e sofre um bloqueio há 50 anos, e a própria Venezuela tem muito mais recursos naturais que Cuba, (sem falar do petróleo), como é que ela está sofrendo de escassez crônica e Cuba não? Afinal não é isso o que a mídia não cansa de afirmar?
Como é possível isso? Se o socialismo causasse escassez, Cuba jamais poderia estar prosperando de forma superior à Venezuela (que não sofre embargo algum). Por mais que o mercado da ilha esteja sendo aberto, a Venezuela é muito mais aberta que Cuba.
A resposta está no fato de que em Cuba não há uma classe dominante que boicote o socialismo. Na Venezuela os grandes empresários, através de métodos similares aos descritos por John Reed, estão fazendo de tudo para desmoralizar o governo. Escondem os produtos em galpões clandestinos, desabastecem o mercado de propósito para culpar o socialismo. Foi assim também com Salvador Allende no Chile. A escassez é um mito (criado pelos empresários), no caso da Venezuela, os produtos existem e poderiam ser consumidos pela sociedade venezuelana, mas os setores burgueses do país querem promover a miséria e descontentamento popular para atingir o governo.
Em janeiro de 2015 mais de mil toneladas de alimentos da cesta básica foram apreendidos pelo governo venezuelano em um galpão da empresa de distribuição Herrera S.A., que não distribuía os produtos, como parte da guerra econômica declarada pelos grandes empresários contra o governo popular de Nicolás Maduro. No mesmo mês a Superintendência de Preços Justos, com apoio de denúncias dos cidadãos, apreendeu milhares de produtos de alimentos e de higiene pessoal em um armazém da empresa privada Herrera S.A. no estado de Zulia. Os produtos possivelmente seriam contrabandeados para a Colômbia, onde se paga mais pelos produtos contrabandeados "Made in Venezuela". Nove sucursais da Herrera S.A. estão sendo investigadas por retenção dos produtos vitais para o povo venezuelano. Foram encontradas toneladas de farinha de milho, arroz, fraldas, detergente e milhares de unidades de leite, sabonetes, amaciantes e barbeadores, entre outros.
Mas quem é a Herrera S.A. e o que a empresa faz? Bom, a Herrera S.A., que é um mero exemplo dentre vários, detém um forte controle na distribuição de produtos alimentícios, de higiene pessoal e enlatados no país. A empresa tem exclusividade na distribuição das marcas Kellog's, Nestlé, General Mills e Avelcasa em oito estados venezuelanos e também monopólio na venda dos produtos de higiene pessoal fabricados pela "Procter & Gamble" (sabão, detergente, fraldas e absorventes) e pela Pfizer (higiene bucal e cremes para o corpo). Em agosto de 2014, a Superintendência de Preços Justos multou a empresa com 5 mil unidades tributárias por não cumprir a Lei Orgânica de Preços Justos, aprovada em 2011 com o objetivo de regular e controlar os preços e evitar a especulação no país.
A burguesia venezuelana usa a mão de obra local para produzir o seus produtos, que serão quase que integralmente contrabandeados para a Colômbia e deixará sem opção de consumo os venezuelanos. A intenção, como já explicamos, é inescrupulosamente desabastecer a Venezuela (atingindo a população), mas ao mesmo tempo sem parar de produzir e lucrar, já que ilegalmente vendem o que produzem ao país vizinho. O governo venezuelano sabe disso e afirma que toneladas de mercadorias produzidas na Venezuela e fortemente subsidiadas (para o preço final ser mais baixo) são vendidas na Colômbia a preços muito mais altos.
A escassez de muitos alimentos básicos na área da fronteira oeste da Venezuela, isso mesmo, você leu certo: fronteira, levou a protestos contra o governo do presidente, Nicolás Maduro. Por outro lado, o contrabando na fronteira também é um problema para a Colômbia, que registra uma grande perda em impostos e queixas de concorrência desleal por parte de empresários locais. Mais de 42 milhões de litros de gasolina e 23 mil toneladas de alimentos foram apreendidos só em 2014.
O desabastecimento é um mito construído pelos setores capitalistas e reforçados pela mídia que são contra governos socialistas. Portanto, da próxima vez que citarem os papéis higiênicos supostamente em falta na Venezuela, lembre-se que isso é culpa do capitalismo local.